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quarta-feira, 16 de maio de 2012

Manoel, o Andarilho




Cabelo visivelmente sujo, barba com farelos de qualquer coisa e nos lábios um constante balbuciar de algo indefinido...
Sempre com a mesma roupa esfarrapada, o mesmo boné de um candidato da penúltima eleição, o mesmo cheiro agridoce de sujeira.
No começo causava um certo medo nas pessoas que por ele passavam, depois de um tempo piedade morta, e quando todos ja tinham se acostumado com sua figura, apenas indiferença.
Toda cidade tem seus personagens típicos e um ou dois andarilhos que todos conhecem, ele era um desses
Seu nome? Manoel (ou pelo menos é assim que todos o chamavam), e como todo andarilho que se preze o Manoel também era cercado de mistérios e lendas.
Alguns diziam que ele foi um grande milionário que perdeu tudo e ficou louco, outros desmentiam essa versão e juravam de pés juntos que na verdade ele era um homem comum, com esposa e filhos, que um dia descobriu a traição e escolheu morar na rua (o engraçado é que todo mundo tinha uma tia que era amiga da prima da vizinha do Manoel em seus dias áureos).
Lembro-me dele no tempo que eu ainda era criança, lembro dos meus pais tentando usa-lo pra me botar medo toda vez que eu era desobediente (mal sabiam eles que na verdade eu nunca tive medo daquela figura)...
Depois de algum tempo o Manoel sumiu, denovo as histórias e versões eram divergentes...
Alguns diziam estar presente no dia que uma ambulância chegou e o meteram aos gritos e esperneios numa camisa de força, outros afirmavam que ele foi achado pelos filhos que o procuravam a anos e que o reencontro houvera sido emocionante. A verdade é que ninguém nunca se importou de saber o que realmente aconteceu, talvez porque as sua versões eram mais interessantes, ou talvez porque não fazia a menor diferença nas suas vidas...
Hoje moro numa cidade grande onde os mendigos não são conhecidos pelo nome e nem eram milionários que enlouqueceram com a falência, mas ainda passo na rua reparando em cada rosto, quem sabe eu tenha esperança de um dia trombar com aquele senhor de cabelos sujos e boné de eleição passada, quem sabe eu até crie coragem pra perguntar seu verdadeiro nome e história.


Senhor, livra-me

Senhor, livra-me
dos cheios de justiça própria.
 Livra-me
dos que acreditam saber mais do que os outros
e que acreditam que somente eles
podem compreender teus caminhos.
Livra-me dos que acreditam que somente eles
podem interpretar tua palavra
que se lamentam e rangem os dentes
pelos pecados do mundo,
mas não enxergam os seus.

Livra-me dos que insistem com as pessoas
para que abracem a mansidão e a humildade,
mas não seguem seus próprios conselhos.
Que dissertam longamente sobre o amor,
mas não o praticam.
Que pregam a misericórdia e a compaixão,
mas não as demonstram.
Livra-me dos que insistem em afirmar que somente eles
detêm a chave que destrava as portas do teu Reino.
Que insistem em dizer que somente eles
encontraram o caminho no qual podes ser seguido.

Senhor, livra-me de mim mesmo                          
Eu também sou um desses!                                            



Trecho do livro Convite à Solitude de Brennan Manning

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Rotina


Ele era meio feliz ou meio infeliz, já não se lembrava ao certo... Havia se perdido tão profundamente em meio à própria rotina que já não se reconhecia dentro de sí mesmo.
É desolador olhar no espelho e ver refletido à sua frente um total estranho que não pensa como você, não age como você, não consegue sorrir aquele sorriso bonito e sincero que você tem...
Onde estavam todos os seus ideais de vida? Logo ele, tão cheio de verdades e convicções, sonhos e planos, onde estava tudo isso agora? Sentia como se tivesse se perdido em algum ponto da estrada, em meio ao emaranhado de gente que, assim como ele, fazem tudo no automático e não percebem que os dias se tornam semanas, as semanas meses e anos.
Ah o tempo!... Esse ditador impiedoso e indiferente, continua seu trajeto retilíneo sem se importar se você está pronto pra seguir seu caminho, ele simplesmente segue, cabe a você correr se quiser acompanhá-lo. E nessa corrida não existe tempo para auto-avaliações, talvez por isso ele já não se definia, habitava numa região tênue de sentimentos opostos, pra ele as coisas não eram claras como o contraste preto/branco, certo/errado -antes o fosse -, vivia agora onde tudo era um pouco mais difícil de definir e classificar, como uma escala de cinza... Meio feliz ou meio infeliz, já não lembrava ao certo...