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terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Por um fio


As vezes lhe parecia que a vida estava sempre por um fio. Passou a não comer mais nada com corante amarelo. " O amarelo dá câncer!" - explicava. Aboliu a carne vermelha também. Abandonou o álcool. O cigarro foi o mais complicado. Passou a fazer muitos exercícios: natação, vôlei, judô. Mesmo assim parecia que a vida estava sempre por um fio.
Não viajava mais de avião, e se fosse de ônibus só para lugares muito perto e com pistas em excelentes condições. Andar de carro nem pensar, na verdade ele achava que dirigia muito bem, mas não confiava é nos outros motoristas. Bicicleta e motos estavam fora de cogitação, transportes sobre duas rodas é um pedido para cair.
Tinha medo de se cortar e morrer de tétano. Tinha medo de encontrar um escorpião em seus sapatos. Contato com a natureza, nunca. Lembrou-se das tempestades de raios, eram extremamente perigosas. Lembrou-se dos assaltos e balas perdidas. Lembrou-se dos maníacos. Lembrou-se da saúde pública. Atentados terroristas e homens-bomba. Febres e gripes epidêmicas também lhe preocupavam. Parecia-lhe que a vida estava sempre por um fio.
"Pra morrer basta estar vivo", como repetia constantemente sua avó. Um dia largou os esportes. Sol ele não pegava mais por medo de câncer de pele. Tudo o que via pela frente eram ameaças e mais ameaças. O mundo todo estava cheio de armas e coisas cortantes que a qualquer instante está prestes a se desprender e cair em você, "Será que essa gente andando tão calmamente não vê isso?"... Por isso já não saia de casa.
No espelho uma figura horrenda, com muita barba para fazer, não queria correr o risco de se cortar e sangrar até morrer. Na hora de comer, somente faca de plástico. Vivia como um escravo de seu próprio medo. No entanto, se esquece da maior ameaça: a sua consciência. Contra ela nada podia fazer, nem se esconder. Por isso, parecia que a vida estava sempre por um fio.
E esse fio se rompeu, quando sua consciência ordenou sua auto-morte. Quando o encontraram, muitos dias depois, reconheceram em seus olhos podres o medo, medo de viver em um mundo cada vez mais perdido. Mas ele não morreu no instante em que fechou os olhos não, começou a morrer no instante em que ele os abriu e enxergou o mundo, morreu aos poucos, em doses homeopáticas.

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